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Onde há medo, há desejo.

 

Que alegria. Fico tão feliz quando estou escrevendo minhas crônicas para você. Hoje, por exemplo, é dia de mais uma delas por aqui. Meu encontro com Você é quinzenal, de forma midiática e no Granja News. Desta vez, pensei em um tema recorrente na minha vida, mas que, nunca parei para pensar ao certo, como estou fazendo hoje: A paridade do medo com o desejo. Nossa, como eles caminham bem juntinhos. Na verdade só tenho medo daquilo que tenho desejo. Eu por exemplo, tenho muito medo andar de moto pelas ruas de Sampa, por razões óbvias, mas tenho um desejo absurdo de comprar uma moto e sair por aí motoqueando, muitos risos.

Eu penso que, ao deparar-se com “Medo e Desejo”, me vem à mente uma reflexão mais profunda sobre suas minhas próprias emoções. Chego a conclusão e a compreensão de que é mesmo preciso “doar o medo”. Assim, sugiro um movimento de confronto e aceitação das minhas vulnerabilidades internas. Vejo o medo como um obstáculo à autenticidade e a verdadeira expressão de mim mesmo. A máscara do medo está posta como uma forma de proteção que oculta minha verdadeira identidade. Isso pode ser também, o seu caso, não seria?

A expressão “Onde há medo, há desejo”, é frequentemente associada à psicanálise, embora não seja uma citação direta de Sigmund Freud ou de qualquer outro psicanalista famoso. No entanto, ela encapsula um princípio psicológico subjacente que é explorado dentro da teoria psicanalítica. Na psicanálise, por exemplo, o medo e o desejo são frequentemente vistos como interligados de várias maneiras:

Defesa: Segundo a psicanálise, o medo pode surgir quando o ego (a parte consciente da mente) percebe uma ameaça à sua integridade ou ao equilíbrio psicológico. Esse medo muitas vezes está ligado a desejos inconscientes que são reprimidos ou suprimidos pela consciência. Por exemplo, alguém pode sentir medo de intimidade ou proximidade emocional devido a desejos sexuais ou de amor não reconhecidos ou mal resolvidos.

Inibição e Recalque: Freud propôs que desejos e impulsos que são considerados socialmente inaceitáveis ou moralmente condenáveis podem ser reprimidos para evitar sentimentos de culpa ou vergonha. Esses desejos reprimidos podem então ressurgir como medo, especialmente se a pessoa teme que suas defesas psicológicas falhem e os desejos reprimidos venham à tona.

Atração pelo Proibido: O medo muitas vezes está associado ao desconhecido ou ao proibido. Na psicanálise, o desejo pode ser exacerbado pelo fato de algo ser proibido ou tabu. Isso pode levar a uma interação complexa entre o medo de consequências negativas e o desejo de experimentar algo considerado fora dos limites.

Simbolismo: Em alguns casos, o medo pode ser simbólico de desejos mais profundos. Por exemplo, alguém pode ter medo de voar não apenas devido a preocupações com a segurança, mas também porque voar pode simbolizar uma sensação de liberdade ou poder que a pessoa deseja, mas se sente incapaz de alcançar.
Portanto, a frase “Onde há medo, há desejo” sugere que muitas vezes o medo e o desejo estão intrinsecamente ligados em níveis conscientes e inconscientes da mente humana, e que a exploração dessas emoções pode revelar dinâmicas psicológicas profundas e complexas.

O medo pode ser um sinal de desejo, explicava Sigmund Freud. Seja em sonho ou em breves fantasias angustiantes de seus pacientes, os psicanalistas observam que muitas vezes os temores revelam um impulso recalcado que, por vergonha ou condenação moral, não podem ser aceitos e passam a ser temidos. O medo é um sintoma.

Muitas mulheres manifestavam medo da gravidez e, na primeira relação sexual, engravidavam. As sexualmente reprimidas contavam, horrorizadas, seus medos de serem estupradas ou de se relacionarem com noivos tarados. Os homens que manifestavam repúdio às mulheres autoritárias, e que não aceitavam sua inclusão no mercado, acabavam se casando com esposas estremamente controladoras e impositivas. Os jovens, que ficavam apreensivos em fazer as provas, ficavam doentes no dia do exame. Todos os medrosos, estranhamente, eram confrontados com aquilo que os ameaçava.

Os conteúdos reprimidos, através da dinâmica de repressão inconsciente, transformam os impulsos genuínos em seus opostos para despistar nossa moralidade: amor em ódio, covardia em prudência. Com nossos tesões e nossas libidos amorais, somos muitas vezes socialmente acusados por nossas preferências e pressionados a repudiar aquilo que gostamos — nós então nos disfarçamos. Violência, abuso, preconceito, pansexualidade, sadismo, radicalidade… Tudo aquilo que tememos são expressões invertidas daquilo que gostaríamos de experimentar.

Quando penso sobre o medo, não o vejo como um sentimento comum. Não é algo que nos une, que nos conecta. Pelo contrário, ele cria barreiras, nos impede de nos aproximarmos uns dos outros. O medo transforma as pessoas em sombras, obscurecendo-as, tornando-as distantes. E quando nos perdemos em meio a essa escuridão, perdemos também quem está do outro lado, porque eles se tornam irreconhecíveis, uma presença vaga, sem identidade.

Lembro-me de um outro medo que experimentei, o medo da minha própria sombra. Era um medo insustentável, o medo de encontrar em mim algo desconhecido, sem rosto, que se movia conforme eu me movia. Esse medo é o início de uma jornada de autoconhecimento, uma busca pela compreensão da sombra que se transforma ao longo do tempo. Ela passa de fantasma a parte integrante de mim, refletindo-se no espelho da minha própria existência.

Mas o medo não é apenas sombra e escuridão. Ele também tem um papel educativo, estabelecendo limites e fronteiras. É uma ferramenta de aprendizado, uma alavanca que impulsiona o nosso crescimento. O medo da falha, do julgamento, do desconhecido. No entanto, não podemos permitir que o medo domine nossa educação. Não podemos construir uma pedagogia baseada no medo.

Embora o medo seja uma parte inevitável da vida, devemos aprender a enfrentá-lo com coragem. Devemos buscar entender seus ensinamentos sem nos deixarmos paralisar por ele. Pois, no final das contas, é a coragem que nos permite avançar, mesmo quando o medo tenta nos deter.

Sentimentos enigmáticos, o medo e o desejo dançam em um intricado balé dentro de nós, moldando nossas percepções e anseios. Aprender a educá-los é uma jornada de autodescoberta, uma busca pelo equilíbrio entre temor e esperança, entre o medo e o desejo.

Não é apenas uma questão de evitar o medo ou utilizá-lo como ferramenta de ensino, mas sim de transformá-lo em algo mais nobre, em um sentimento que nos conduza à prudência e ao respeito. É o amor que desempenha esse papel transformador, levando o medo a se tornar parte de um espectro mais amplo de emoções, onde o temor se mescla com a esperança.

Assim como a imagem que Leonardo da Vinci descreve da caverna, somos atraídos e assombrados pelo desconhecido. O medo e o desejo nos impulsionam a explorar, a desvendar os mistérios que habitam nas profundezas da nossa própria natureza. É uma jornada que nos leva além das sombras da ignorância, rumo à claridade do entendimento.

Enquanto Platão nos convida a sair da caverna para alcançar a verdade, Leonardo nos lembra que o maravilhoso também reside na escuridão, esperando para ser descoberto. Portanto, não devemos temer o desconhecido, mas sim abraçá-lo com curiosidade e coragem, pois é através dessa exploração que encontramos o verdadeiro significado do nosso ser.

Quando me deparo com as nuances do medo e do desejo, percebo que somos nós mesmos que os elucidamos. Porém, é aqui que reside o ponto crucial: o que chamamos de medo e desejo é, em si mesmo, um conhecimento tanto ansioso quanto perigoso. Para Platão, é o eros que nos impulsiona, e esse eros está na interseção entre o saber e o não saber, uma mistura de sentimentos. Com Leonardo, com sua visão mais moderna e distante da filosofia grega, o conhecimento que alimentamos e no qual nos educamos está no meio do medo e do desejo, é algo ansioso e perigoso.

Recordo as palavras de Spinoza: “Não sabemos o que pode um corpo”. Ele atribui à mente a tarefa de encontrar uma causa adequada e transformar a afecção em afeto, passando da paixão à ação, alcançando a subjetivação, o estar sujeito, que só pode ser resgatado e libertado através do abandono.

Spinoza distingue a afecção do afeto, indicando este último como a afecção que encontra, pela mente, sua causa adequada ou inadequada, resultando em um afeto alegre ou triste. O afeto é, portanto, determinado, conhecido, vivido com consciência. A afecção, por outro lado, nos atinge, é inerente ao corpo e à mente, mas é algo que a mente não sabe sobre o corpo, e o corpo não sabe sobre si mesmo.

E é aqui que reside o medo. Esse não saber, essa incapacidade de encontrar uma causa adequada para nossa afecção e, portanto, não conseguir transformá-la em afeto, em sentimento, para encontrar um vínculo nela, para fazer do próprio medo um vínculo e, assim, transformá-lo em sentimento, para que não seja mais medo, apenas uma afecção simples. Isso envolve nosso verdadeiro ser, aquilo que realmente somos e como podemos nos tornar pessoas verdadeiras, indivíduos autênticos, homens que falam a verdade e são verdadeiros, expressando sua própria autenticidade.

Concluo que é necessário abandonar o medo para sermos verdadeiros. Chego a essa conclusão após questionar e refletir ao longo desta jornada pela vida. Interroguei jovens, crianças, estudantes, professores, adultos, na minha prática psicanalítica e até mesmo os livros que me são queridos, lendo suas páginas como se fossem cartas de um tempo próximo ao nosso, vivo e existente. Do contrário, o medo produz máscaras. Estratégias de mentiras que nos aprisionam, confinam, separam e nos impedem de nos abrir.

Para ser verdadeiramente quem sou, para viver plenamente, é preciso doar meu medo. É uma entrega que só posso fazer ao amar, ao me entregar completamente. Vivendo existindo, e não apenas existindo sem vida.

Doar meu medo é abrir mão das amarras que me prendem, é permitir que a coragem tome o lugar do receio, que a confiança floresça onde antes havia incerteza. É um ato de entrega total, de abrir o coração para o amor e deixar que ele guie meus passos.

Somente ao doar meu medo, ao me entregar ao amor, posso verdadeiramente ser quem sou, plenamente vivo e existente neste mundo. É assim que descubro a verdadeira essência da minha existência, abraçando o desconhecido com coragem e confiança, e deixando que o amor ilumine o meu caminho. Um grande abraço,

Roberto Marinho
Publicitário e Psicanalista
Contato: Robertomarinho28@gmail.com

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