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De office boy raiz a herói das ruas: A transformação dos tempos.

Aos 15 anos, fui office boy raiz. Começo minha crônica hoje gargalhando aos montes, para contar como foi enxergar a vida através de um olhar adolescente, dividido entre a curiosidade e a responsabilidade prematura de um adulto. Em meu primeiro emprego, na América Dourada Recortes, uma empresa de clipping, no Largo do Paissandu, cujo serviço era recortar notícias dos principais jornais, colá-las em meia sulfite, uma a uma, encaderná-las manualmente e levá-las aos privilegiados ou muito ocupados. Me parece que o mundo sempre foi mesmo mais fácil a esses dois perfis. Os com dinheiro para comprar o conforto e conveniência e os muito ocupados, também endinheirados.

Um office boy raiz fazia tudo sem moto, sem bike, sem patinete, sem nada. Era tudo na raça e na força da responsabilidade. A pé mesmo, de ônibus. Quando muito, táxi uma vez ao ano, por exemplo. Uber? O que seria isso? Mais gargalhadas. Mas, mesmo assim, estava muito feliz.

Meses depois, tive a oportunidade de trabalhar na redação dos Diários Associados. Amava! Logo, eu sempre muito curioso, inteligente, inquieto e corajoso, e, meio sem noção também, fui promovido a contínuo, que, na verdade seria um office-boy de luxo. Ou seja, um office-boy interno. Agora, mais risadas.

Acredito que a partir dessas duas experiências, tenha nascido em mim um grande desejo de me tornar jornalista, alguns poucos anos após, já, depois, na década de 80, e eu ainda bem jovem.

Mas, observe quanto tempo estou na terra colocando meu talento à disposição da vida e das pessoas, claro, né? Aliás, isso me faz lembrar uma pergunta que meu analista, Lucas me fez, algumas vezes: “Roberto, quem é Você”? Um dia saltou a resposta. Então, eu disse: “Sou um homem de projetos“. A partir daí como Ele mesmo relata, entrei em análise, como se fala na psicanálise. Fui para o divã, sem precisar mais do olhar e a presença do analista. Um outro tema bem simpático para depois, essa história de entrar em análise – muito mais risos. Olha, hoje pensando melhor, eu responderia algo diferente e complementar se perguntado novamente e tivesse mais prazo para pensar melhor na cama: “Sou filho de um Deus incrível, um homem de projetos, vanguardista, criativo, curioso, de muito bom gosto, engraçado e bastante motivado. Em outra crônica, depois, conto melhor tudo isso.
Voltando aos Diários. Caminhando pela redação do jornal, que estabelecida à Rua Sete de Abril, 230, no primeiro andar, já então num segundo emprego. Alias, no mesmo piso onde era o Salão de cortes de cabelos; do restaurante e do arquivo geral. Lembro-me tudo, como se fora hoje. Até mesmo do cheiro no ar da tinta que saíam das rotativas que estampavam os jornais. Isso tudo na década de 70.

As pessoas esperavam na porta do jornal as edições saírem. Isso todos os dias, por volta das 9hs00. Ficavam os office Boys e outras pessoas de todos os níveis e bolsos, esperando trazerem os exemplares com as notícias do Brasil e do mundo afora. Alias, foi assim que consegui meu emprego por lá. Enquanto todos esperavam a edição do dia, apareceu um almofadinha da redação, chamado Eduardo e disse: “quem quer ser office boy daqui “?? Eu gritei em meio a todos, “Eu”! risos. Já subi no RH. Pronto. Contratado.

Passando meus dias no Diários, observei que ainda pairava a forte presença de Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello, mais conhecido como Assis Chateaubriand e, depois, Chatô, Rei do Brasil como foi o filme que fizeram sobre a vida dele. Nascido em Umbuzeiro, 4 de outubro de 1892, tendo falecido em 4 de abril de 1968. Foi jornalista, escritor, advogado, professor de direito, empresário, mecenas e político brasileiro e acabou em filme nacional. Foi o empresário que criou o maior império de comunicação na América Latina, composto por dezenas de jornais, 28 emissoras de rádio, duas das principais revistas para adultos, 12 revistas infantis, agência de notícias, várias emissoras de TV, sendo o pioneiro na América do Sul e tornando o Brasil o quarto país do mundo a possuir uma emissora de televisão, a PRF3 TV Tupi.

 

 

Mas, o que Ele fez, na vida empresarial e pública, praticamente, todos sabem. O que se contava nos Diários eram as aventuras de Chatô. Ele era irreverente, estilo atrevido e ousado. Fofocavam que ele passava a mão do rosto das mulheres lindas fazendo comentários elogiosos, mesmo em frente aos seus esposos.

Depois o projeto, “Ouro para o bem do Brasil”. Não sei exatamente, para o bem de quem mesmo, se do Brasil ou dele mesmo. Ninguém sabe muito até hoje. Pelo menos, assim, comentavam pelos corredores e o Sr. Godofredo Amaral Penteado, jornalista e meu chefe, endossava. Sr. Penado, uma pessoa incrível. Vivia para os Diários a escrever seus textos para o mundo jornalístico. Tinha 76 anos e eu 15/17. Ele me chamava de menino, falava sobre a vida, política, a França onde morou e São Carlos onde nasceu. Dona Lourdes Michelucci, sua secretária. Uma italiana bonita de 33 anos, que morava no bairro do Bexiga, trabalhava conosco também. Éramos todos amigos e conversávamos sobre tudo, aliás o formato de uma família.

Pena terem sido apenas dois anos. Até os Diários (Diário de São Paulo e Diário da Noite, Rádio e TV Tupi), virem à falência. Daí fomos às ruas fazer greve, comandada pelo Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo. Pela primeira vez entendi ao certo o que era uma greve e ter que lutar pelos próprios interesses e direitos. Detestei tudo aquilo. Não fui mais aos piquetes de greve e me coloquei a procurar novo emprego. Fui trabalhar no BCN – Banco de Crédito Nacional, da família Conde.

Fato é que o endereço da Sete de Abril, 230, o Edifício Guilherme Guinle, mais conhecido como o ‘prédio dos Diários Associados’. Projeto do grande arquiteto francês Jacques Pilon, autor de mais de 60 prédios na área central, entre apartamentos residenciais e comerciais, com destaque para o prédio da Biblioteca Mário de Andrade e o do jornal O Estado de S. Paulo, marcava a política, cultura e a vida social paulistana com muita intensidade. Onde nasceram várias iniciativas que transformaram a vida cultural de São Paulo. Eu nem entendia ao certo tudo aquilo.

Mas, gostei muito de trabalhar no grupo. Um parque gráfico de rotativas, escritório e uma redação muito barulhenta. Os jornalistas falavam muito alto e nos finais de dia eram muitas máquinas de escrever manuais em movimento, barulhentas fechando matérias para figurarem nos exemplares do dia seguinte.

A partir dessa oportunidade se desdobraram tantas coisas incríveis: por exemplo, conheci pessoalmente a diretoria dos Diários e suas incríveis histórias com os exageros para todos os lados. Armando Oliveira e sua secretária Gracinha, Mauro Sales, o próprio jornalista, Godofredo Amaral Penteado, meu chefe, como se dizia. Um jornalista que escrevia efemérides. Penteado todos os dias tinha alguém para homenagear e falar dele ou dela. Eu acabei sabendo dos bastidores da empresa e vida de Chatô.

O almoço de um office boy raiz da época era na Liga das Senhoras Católicas, embaixo do Viaduto do Chá. Um emblemático restaurante que trazia em sua história muita filantropia, mas que, criado em 1920, para mulheres que andavam desacompanhadas de seus esposos e não podiam frequentar lugares públicos, como restaurantes e bares. No início do século XX, moças que frequentavam bares e restaurantes desacompanhadas não eram bem-vistas.
Para atendê-las, a Liga das Senhoras Católicas, em 1926, criou este restaurante popular. Mas quando íamos almoçar já eram outros tempos… Senhoras e senhoritas desacompanhadas frequentavam quase todos os lugares.

Muito próximo, do outro lado da Avenida São João, o majestoso prédio dos Correios e Telégrafos. Gente tudo muito diferente, dos dias atuais. Não se conhecia o que eram arrastões, cracolândia e outras mazelas sociais. Sobretudo, a polícia era muito atuante (ainda ditadura, lembremos)… As greves de Bancos que eram muito intensas eram contidas com guardas, cassetetes e bomba de gás.

Quando eu não almoçava na Liga das Senhoras Católicas, escolhia o bife grego. Eu amava. Substituía muito bem um almoço. Ou ainda o chá com leite em pó e pão com mortadela.
Enfim, quem da época vai lembrar, do Mappin, o Corte Bem. Uma rede de cortes de cabelos masculino… que invadiu o centro de São Paulo, o homem da cobra, a feirinha na Praça da República e o Álbum Paulistinha. Uma ação estadual para incentivar a arrecadação de impostos. Todo mundo colecionando. Uma febre igual ao álbum da copa, com seus postos de troca e tudo mais.

Sempre imagino que todos temos uma história para contar, acreditando ou não, achando linda, sofrida ou alegre… Enfim, qual é a sua boa história que gosta de contar, ou mesmo nunca pensou contar?

Roberto Marinho – Publicitário e Psicanalista”

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