
Em tempos de Olimpíadas, nada melhor do que entrevistar um atleta de sucesso. Felizmente, não foi preciso sair da Granja para encontrá-lo: A poucos quilômetros da Raposo Tavares, praticamente na divisa entre Cotia e Osasco, mora o arqueiro Luis Panizo, bicampeão e recordista mundial, campeão e recordista sul-americano, octacampeão paulista e tetracampeão nacional, entre outros títulos.
Granjeiro há sete anos, Luis mantém em seu terreno um estande de tiro com arco onde promove regularmente aulas abertas de arco e flecha. De segunda a sábado, também dá aulas particulares ou para grupos de até quatro pessoas, o que, para ele, é melhor para o aprendizado. Luis brinca e diz que a Granja é a “Sherwood paulista”, em alusão tanto à floresta em que vivia a figura lendária de Robin Hood, quanto ao apelido de “Robin Hood brasileiro” que ganhou da mídia.
Em entrevista ao Granja News, Luis falou de sua relação com o esporte, os motivos que o trouxeram à Granja, criticou a falta de saneamento na região e a falta de incentivo ao esporte no Brasil em geral.
“Eu escolhi morar aqui pela facilidade de acesso que isso proporcionaria à minha esposa, pois ela é personal trainer e a maioria dos clientes dela mora em Alphaville. Já tínhamos uma residência no Butantã, mas acabamos encontrando um lugar aqui neste condomínio, que fica no pé do Rodoanel. O trânsito na Raposo, assustou a gente, é claro, mas ainda assim era a melhor opção que tínhamos na época.
O que mais gosto na Granja é o verde e o ar puro, e isso agrada também aos alunos que comparecem aos eventos que promovemos aqui. Apesar de morar na Granja, acabei fixando raízes em São Paulo, onde morei 40 anos, então acabo frequentando mais a capital. Mas aqui na região, gosto de frequentar as Ecofeiras, e principalmente o Templo Zu Lai, onde temos a possiblidade de entrar em um estado de paz e harmonia.
Mas é claro que o progresso está trazendo muitos problemas. Quem vem aqui com um corretor imobiliário acha tudo uma maravilha, mas depois que começa a morar, percebe os problemas. É comum que campanhas políticas digam que tal favela não tem água nem esgoto, mas aqui mesmo nós também não temos. O que eu vejo é um progresso sem planejamento e a deterioração da qualidade de vida. Eu aprendi com a disciplina oriental, segundo a qual somos premiados quando conquistamos algo, e castigados quando erramos. Agora, estamos sendo castigados pelos nossos erros de planejamento.
Eu torço para que parem com essas campanhas de vendas de automóveis, pois a gente não aguente mais carros, e a mídia fala muito de transporte público – que, aliás, é outro problema aqui da região: Os ônibus geralmente são mais caros, e os micro-ônibus tem taxas variáveis, as pessoas vão penduradas na porta e o motorista dirige como se estivesse em um videogame. Sem falar nos caminhões, que deveriam andar na pista direita da rodovia, mas trafegam nas três.
Temos muitos problemas aqui que deveriam ser relatados aos legisladores locais, pois é a função deles. Já me convidaram para ser líder da comunidade, mas eu neguei. Quando você é um líder, você é responsável pela vida das pessoas, não é apenas um cargo. Eu mal cuido da minha, como vou cuidar da vida de centenas de pessoas? É muita responsabilidade. E eu vejo que os líderes que temos legislam para partidos e empresas que contribuíram com a verba da campanha, e não para o povo. Mas o inverso dessa situação é uma utopia.
Eu cheguei a fazer várias faculdades. Tentei medicina, pois gostava muito de crianças. Mas quando prestei vestibular, o máximo que consegui foi aparecer em algumas listas de espera. Acabei entrando em Educação Física, Biologia e Psicologia. A minha escolha foi Biologia, que era a minha segunda opção para medicina. Na época, os jornais só divulgavam os nomes dos aprovados até a terceira lista de espera. A partir daí, eu teria que ir ao campus todos os dias para saber se havia passado. A secretaria da instituição me sugeriu que eu entrasse em biologia, que era minha segunda opção, para ver se meu nome não saía na lista de medicina. Acabaram ocupando todas as vagas antes de chegar o meu nome, mas eu soube que poderia pedir transferência de curso por meio de exames internos. Foi aí que eu entrei em Biomedicina.
Durante este curso, eu frequentei aulas de medicina, mas me assustei com a realidade. Fiquei impressionado de ouvir pessoas falando que tinham nojo de sangue, e outras que tinham chutado todas as questões do vestibular. Por que alguém que tem medo de sangue está lá, digamos, tirando a vaga de outra pessoa? E que tipo de profissional será alguém que chutou o vestibular inteiro? Sem falar da preocupação do médico para com o paciente, que existia antigamente, mas hoje está quase extinta. Graduei-me, e pensei em seguir carreira em pesquisa, e olha que naquela época a genética mal estava sendo explorada. Mas o incentivo financeiro era muito pouco.
A paixão que eu tinha pelo esporte, contudo, nunca desapareceu. Eu acebei tentando algumas áreas, como as artes marciais. E eu descobri aí o tiro com arco, no qual eu obtive muito êxito. Mas o treinamento e os campeonatos tomavam muito do meu tempo, e meus chefes na época não compreendiam isso, não gostavam do fato de eu faltar no emprego para representar o Brasil lá fora. Eu tento incentivar meus alunos, mas não posso deixar de lembrá-los de que não dá para viver de arco e flecha aqui. Eu sou um dos raros profissionais do Brasil que vive com o dinheiro do esporte. Qualquer atleta que não jogue futebol precisa se esforçar muito diariamente para conseguir pagar contas.
Meu diploma, no fim, virou só um enfeite, mas eu aplico meus conhecimentos em educação física, biomedicina e psicologia diariamente em meus ensinamentos. Para mim, conhecimento é um dos maiores tesouros que as pessoas podem conquistar. Dinheiro, nós perdemos e ganhamos. Conhecimento, só perdemos se tivermos algum acidente ou problema mental.
Eu ainda participo de competições. No ano passado, fui para o campeonato mundial na África do Sul, mas tive que pagar as passagens do meu bolso. Fui achando que tudo daria errado, e voltei com o bicampeonato. No ano que vem, pretendo ir aos Estados Unidos para o próximo campeonato, mas ainda tenho dúvidas.
A maioria dos atletas acaba desistindo do esporte por falta de motivação e por ter de pagar suas contas. Muitos me perguntam o que eu acho sobre as Olimpíadas no Brasil. Bom, o Brasil ainda está a anos-luz de diferença de outros países, pois aqui ainda falta o básico. Tem que mudar muita coisa. Não basta campanha e projetos. As nossas instalações até que melhoraram ultimamente, mas o processo é muito lento e sutil.
Um dos principais fatores que nos levaram a sediar as Olimpíadas foi pelo fato de outros países que poderiam se candidatar terem abdicado da possibilidade devido à crise mundial. Mesmo assim, eu admito que é uma grande oportunidade, especialmente para os atletas do tiro com arco. Os atletas dos países-sede não precisam passar por seletivas olímpicas, então teremos seis arqueiros brasileiros, algo nunca antes visto. Além disso, passamos vários anos sem representantes brasileiros nos Jogos. Eu pretendo inclusive acompanhar o tiro com arco nas Olimpíadas que teremos agora em Londres, caso a televisão brasileira transmita. Nos últimos Jogos Pan-americanos, tivemos a transmissão de alguns momentos, uma grata surpresa.
Por outro lado, eu vejo tudo isso como uma oportunidade de aprendizado, apenas. A chance de subirmos ao pódio no tiro com arco é muito pequena. Afinal, faltam atletas. Não adianta construirmos estádios se não temos atletas bons. No Brasil, nascem campeões, enquanto que lá fora, são formados campeões, que desde cedo recebem todo o apoio possível para que rendam o máximo.
Ainda por cima, o atleta no Brasil só ganha reconhecimento se for campeão. As medalhas de prata e bronze não nos interessam. Isso é muito prejudicial ao esporte, pois ele deve ser formativo. Se só o primeiro lugar interessa, então ele passa a ser destrutivo, afinal, só um pode chegar ao topo. O que falta no Brasil é oportunidade. De repente, o cara que passou aí agora na rua enquanto conversamos pode ser um campeão, mas ele nunca teve oportunidade nem interesse de pegar em um arco.
Outro problema do arco e flecha no Brasil é a falta de informações sobre o esporte. Há alguns anos, criminosos usaram uma besta (também chamada de balestra, espécie de arco em formato de revólver que atira flechas ao puxar-se um gatilho) para atirar celulares para dentro de presídios, mas a imprensa divulgou que eles haviam usado arcos e flechas, o que está errado. O que a imprensa deveria noticiar é a venda indiscriminada do equipamento. As pessoas deveriam ter noções básicas do manuseio do arco antes de comprá-lo, pois ele não deixa de ser uma arma. Eu sou a favor de que a justiça brasileira considere as lojas como corresponsáveis no caso de acidentes. Enfim, o arco e flecha no Brasil enfrenta muitas dificuldades, apesar de ser um dos primeiros esportes praticados aqui. Antes mesmo de essas terras terem esse nome, já se praticava canoagem, arco e flecha e atletismo.
